Novo, de novo

Meu rosto sempre indicará quem sou, meus ancestrais sempre me revelarão, é como se eu não pudesse escapar de toda essa previsibilidade em me descobrirem.

O olhar da minha mãe dizendo que me conhece e me adivinha, o olhar do meu pai fingindo duvidar, ocultando evidências de que já sabia antes mesmo de me concretizar. Minha casa indicando onde estou ou para onde vou. As ruas definidas limitando os caminhos a percorrer, como se tudo já estivesse exato, bastasse nascer, cumprir, copiar, acabar – e nisso ser.

Parei para pensar nas minhas inquietudes. Percebi (em uma delas) que não se encerra um ano sem que eu tenha mudado o sofá milhões de vezes de lugar, e descoberto outros ângulos para olhar, outras formas de sentir como se tivesse mudado de casa. Foi então que me entendi.

Todos esses anos em vida, só agora me vi. Olhares no espelho dia após dia não revelam o que realmente se precisa enxergar. Talvez seja por isso que as pessoas que menos admiram suas carcaças, mais amam os interiores.

Notei que em quase tudo que escrevo, uma temática se repete e me reinventa – é a mudança.
Ao refletir, parece que a vida nunca esteve diferente, quem se diferiu fui eu. E o que pode parecer tão claro, nunca clarificou tanto outras coisas como agora.

Dou graças pelo que descobri em mim: uma sede que não se sacia, uma fome que não se remedia, um espírito descontente. E só agora pude firmar o quanto isso é valioso. Pois apenas os incomodados tem o impulso para a mudança, apenas eles tem motivos para mudar, e hoje eu me vi uma eterna incomodada.

Olho os mesmos rostos, as ruas tão inflexíveis, contemplo minha vida, agora de um aspecto revisto. E nisso abasteço alegrias. Concluir que por mais que digam que sabem tudo sobre mim, desculpem, mas isso é algo que eu nunca vou querer saber! E fico na torcida para que vocês se enganem... De preferência, em cada fase vou escolher mudar de ser. Além das roupas, além dos lençóis, e dos curativos, escolherei repaginar as memórias, retocar as conquistas, repensar motivos, encontrar-me com outros objetivos, para manter-me viva.

Não quero uma vida prevista. Não quero ter certeza de como será cada mês. Não quero abandonar minhas lembranças, meus sentimentos, minhas características, nem me tornar desconhecida. Não me interessa “esquecer” o conhecimento adquirido. Jamais renunciaria amores, o que me satisfaz, ou qualquer valiosa aquisição. Só priorizo a fórmula para que nada caia na rotina, na comodidade, na frieza das coisas constantemente estáveis.

Por enquanto o sofá está bom onde está. E enquanto for assim, vou tirando vantagem dessa configuração. Até algo me dizer que o cômodo está precisando de novidade. E às vezes uma simples alteração parece ser o bastante. O importante para mim é só não me contentar. Poder surpreender meus pais na medida certa e cada ano mais. Mas a medida certa quem é que sabe?

Quem me acompanha saberá quando errei e quando acertei. Quem me ama acima de qualquer mudança, irá permanecer. Porque talvez amar seja isso, ultrapassar o tempo e ficar. Não é preciso amar muitos para se compreender que muitos podem ser descobertos em um.

Tenho 24 anos de imprevisibilidades. Meu presente não é outra coisa se não novidade.


Assinado: Jéssica Flávia Oliveira.
/Foto de Jotaefe Oliveira.


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