Não terminei

Nas esperas inconscientes estão guardadas obras que não terminei. Projetos que comecei e não terminei. Esculturas, pinturas, fotografias. Declarações escritas, costuras, uma arte oculta. Fiz essas peças de vida, na intenção de que o tempo não fosse perdido. Como se o tempo pudesse ser guardado, multiplicado.

Fiz obras de amor, doei fôlego, e teci alegrias que revestiram de riso e contentamento uma arte que não terminei. Coleção de fotografias intangíveis, ilustrando a parede do que vivi e fui forçada a deixar. Mas eu não terminei! Declarei. E a voz rouca dessa declaração ecoou pelos cômodos de uma casa cheia de obras maravilhosas, porém inacabadas. Obras da realidade. Prova de que não há controle. Não bastam planos. Não é suficiente pincéis e tintas. Vontades não são tudo. Querer não é certeza, nem é poder. Querer é vida que precisa de condições para nascer. Querer é uma arte. Que às vezes encontra chance e liberdade para ser explorada. Em outras, não encontra condições. O querer é bloqueado por telas cheias, que não podem ser tocadas, telas com pinturas pela metade, sentimentos impedidos, sonhos acordados por mudanças.

A casa antes decorada de peças incríveis agora está vazia. Abandonada com metades, vidros de tinta abertos e pincéis sujos. Projetos espalhados. Pinturas de amor expostas pelos cômodos, carregadas de lacunas e sentimentos pesados. A vida que era desenhada colorida, envelheceu, e perdeu sua cor.

Obras inacabadas expondo um tempo que foi perdido. Se não há mais aquele amor, essa não é mais minha casa, essa arte precisa ser abandonada. Não dá mais para apreciar essas lembranças. Isso deixou sua beleza, perdeu sua graça.

Paredes pintadas de passado não servem nem como decoração. É preciso pintura nova, limpar das prateleiras a vida que virou poeira. Ainda que o desejo de continuar e concluir persista. Ainda que todos esses fragmentos contenham vestígios de um tempo bom. Desistir deles pode ser a salvação de uma obra muito maior e bem mais bonita. Insista amor. E passado não é amor, pois passando, deixou de ser.

Eu não terminei - declarei. Mas sem olhar para trás. Deixando aquele lugar que não dá mais para morar. Aceitei. Abandono esse museu, recuso cada presente que é lembrança. O que foi vivido, e não mais complementa, não mais beneficia, não mais é, tem seu fim em outros começos. Eu não terminei. Mas começo de novo. Em outro querer.


Assinado: Jéssica Flávia Oliveira.
/Imagem de Autor Desconhecido

  

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