Espelho novo

Sua consciência como um espelho refletiu uma imagem de si que ela não hesitou em parar, e se olhar. Ela como poucas vezes na vida se viu inteira, dos alicerces às suas mais ornadas projeções. E se olhando, ela se amou.

Não foi amor à primeira vista, não tinha nem como ser. Ela já se conhecia há anos. Passava pelo mesmo espelho todos os dias. Na maioria passava se escondendo, negando cada reflexo que via. Eu lembro das várias vezes que ela jogou sobre aquele espelho qualquer coisa que pudesse escondê-lo, na tentativa de não assumir suas fraquezas. Das vezes que preferiu ficar de costas, e esconder de si mesma as lágrimas e culpas que molhavam e embaçavam suas alegrias.

Lembro do quanto ela tentou se ajeitar, enfeitando como dava, para disfarçar o brilho que faltava. Ela se contentava. Achava fazer o possível. Expressões e ações cansadas de um coração pesado. Anos se entregando ao que não preenchia, vestindo como não se sentia, vivendo com uma simples conhecida, numa relação obrigada.

E olha só como ela está hoje. De frente a esse espelho, de cabeça e ombros erguidos, alma estendida, e coração sereno. As coisas não mudaram em um simples dia. Não foi simples em nada. Não foi, ainda é seu momento, de seguir e concluir suas conquistas. Ela se emancipa, olha para seu caráter e se admira.

Lembro do estopim, do auge exato da crise, em que desesperada se emponderou de uma coragem confundida a fúria, e quebrou de vez aquele espelho. Estilhaços para todos os lados de si mesma. Pele, corpo, espírito e coração, todos rasgados, perfurados. O ímpeto de coragem que para muitos tido como tolice, foi na verdade sua mais sábia rebeldia. Se quebrou. Adquiriu espelho novo, se olhou com outros olhos, se olhou melhor, olhou seus direitos, e enfim se arrumou. Uma completa desconstrução de si para alcançar o ideal que ela realmente queria.

Espelho novo. Hoje ela ama seu corpo, sabe de si mais que os outros, sabe querer, aprendeu a agir, ela está em si e ama cada curva que tem. Ela aprecia o que negava, exalta o que diminuía, e tem capacidade para recusar qualquer má intenção que venha.

Que orgulho eu sinto dela. Tomou do remédio mais forte e puro - curou sua mente, limpou seus pensamentos, renovou suas vontades. Ela tomou amor, amor pra si, amor em si. Amor dos mais simples e honestos, que não cresce sobre os outros, não cresce para outros, faz pelo bem, e principalmente pelo bem em si.

Ela é, e tem consciência do que está sendo.


Assinado: Jéssica Flávia Oliveira.
/Imagem1 de Jorun Eikill Veflen.
/Imagem2 de Yellow Bird Photography (elle benton).


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